sábado, 21 de abril de 2012

As águas do mar
Aí está ELE, o mar, a mais ininteligível das existências não humanas. E aqui
está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos... Ela e o mar.
Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro:
a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se
entregariam duas compreensões.
Ela olha o mar, é o que pode fazer.
...Nessa hora ela se conhece menos ainda do
que conhece o mar...

O cheiro é de uma maresia tonteante
que a desperta de seus mais adormecidos sonos seculares.

(...)Avançando ela abre o mar pelo meio. Já
não precisa da coragem, agora, já é antiga no ritual. Abaixa a cabeça dentro do brilho
do mar, e retira uma cabeleira que sai escorrendo toda sobre os olhos salgados que
ardem. Brinca com a mão na água, pausada, os cabelos ao sol, quase imediatamente
já estão endurecendo de sal. Com a concha das mãos faz o que sempre fez no mar, e
com a altivez dos que nunca darão explicação nem a eles mesmos: com a concha das
mãos cheias de água, bebe em goles grandes, bons.
E era isso que lhe estava faltando: o mar por dentro como o líquido espesso de
um homem. Agora ela está toda igual a si mesma.
E agora pisa na areia. Sabe que está brilhando de água, e sal e sol. Mesmo que o esqueça daqui a uns minutos, nunca poderá perder tudo isso. E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos são de náufrago.

Clarice Lispector

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